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WhatsApp e eleições: o caso brasileiro

Dentre os significativos achados da primeira missão oficial de observação eleitoral realizada no Brasil pela Organização dos Estados Americanos (OEA), em meio às eleições gerais do Brasil de 2018, uma das mais informatizadas do mundo, em qualquer tempo e lugar, avulta a delicada questão da proliferação do uso de novas tecnologias – em especial do aplicativo denominado WhatsApp – na disseminação de informações falsas, as vulgarmente chamadas fake news.

Num tal contexto, complexo e desafiador, as questões eleitorais adquirem novos contornos se comparadas com o caráter regulatório próprio das mídias tradicionais. Nos dias que correm, a informação deixa de ser monopólio de poucos e passa a ser permanentemente produzida e transmitida de maneira indiscriminada, razão pela qual seu controle também deve ser redimensionado para dar cabo de impasses da contemporaneidade jurídica.

No âmbito do Tribunal Superior Eleitoral do Brasil, não passa despercebida a controvérsia afeta à busca do equilíbrio entre as garantias constitucionais da liberdade de informação e a proteção da veracidade dos dados divulgados ao longo do pleito eleitoral, com vistas a resguardar a manutenção das boas práticas democráticas.

Ferramentas como WhatsApp e assemelhadas (Telegram, Viber, Google Hangouts, Skype, ChatON, Line, WeChat, GroupMe) podem apresentar feições diversas, a saber, de cunho privado ou público, ao viabilizarem a interação individual ou conversas em grupos e até videoconferências. E podem gerar impactos nefastos nas eleições.

Na obra de Marco Iten intitulada Internet para eleições e mandatos, o autor lança a inquietante indagação “Comunicação de Massa. De massa?” e traça um panorama histórico acerca dos meios de comunicação, assinalando a queda brusca de audiência das emissoras de rádio e televisão a partir da década de 1980, com deslocamento do público para os canais por assinatura, de conteúdos pagos.

Quanto aos veículos impressos, o autor assinala que, “no Brasil e em todo o mundo, estão amplamente comprometidos com a Internet” e que “necessitam da porta de entrada eletrônica, de seus sites, para a atração de leitores assinantes e de novos leitores” (ITEN, 2010, p. 108), além de abordar as fortes limitações da legislação eleitoral acerca das mídias eletrônicas tradicionais – rádio e televisão –, o que conduz as campanhas, cada vez mais, ao ambiente virtual das “mídias alternativas”.

Destaca, ainda, o autor que a internet constitui ferramenta essencial para a ampliação do número de pessoas que podem ser abordadas pela mensagem política, direta ou subliminar, e pontua que:

 

A Internet já rivaliza com a Mídia TV no processo de exploração da imagem pública de candidatos e políticos. E por quê? Porque é infinitamente mais barata e mais acessível. Ter o seu candidato numa TV aberta, com audiência de milhões de telespectadores, não é tarefa fácil ou barata. (ITEN, 2010, p. 106)

 

Em outras palavras, diante dessa nova sociedade informacional, sobretudo dos novos parâmetros introduzidos pela Emenda Constitucional nº 36, de 2002, que acrescentou o § 3º ao art. 222 da Constituição Federal, instituindo a figura da “comunicação social eletrônica”, não há como desconsiderar, a priori, as novas mídias digitais – blogs, WhatsApp, Facebook, YouTube e assemelhadas – do conceito de comunicação social, pois tudo vai depender, no exame do caso concreto, de quem foi o emissor da mensagem – seria um potencial formador de opinião? –, do público-alvo a ser atingido e do potencial de alastramento das informações veiculadas por meio de cada ferramenta.

Suponha-se um blog, o Twitter ou um grupo de WhatsApp encabeçado por um formador de opinião – por exemplo, artista, apresentador de rádio ou televisão, líder religioso, comunitário ou acadêmico, ou até mesmo um youtuber que já tenha conquistado notoriedade – que divulgue sondagem, enquete ou pesquisa em que seu candidato figure em posição de vantagem. Fica clara, nesse contexto, a potencialidade da informação para atingir um público diversificado, suscetível às ideias transmitidas por aquele que exerça alguma liderança, em ambiente propício à manipulação dos interlocutores.

Citem-se alguns tipos bem comuns de grupos no WhatsApp: torcedores de futebol, amigos de escola, trabalho ou faculdade, grupos de familiares, religiosos, ativistas, acadêmicos, culturais, entre outros. Em quaisquer deles, pode haver líderes de opinião ou, simplesmente, o que as teorias sociológicas chamam de atores “desinteressados”, sem aptidão para influenciar o comportamento político de seus pares.

Outro ponto que pode nortear a aplicação dos preceitos eleitorais: o uso do WhatsApp é institucional ou comercial, com propensão ao alastramento de informações? Em outras palavras, o grupo tem por finalidade difundir determinado conteúdo? Qual é o número de participantes do grupo? Quais são os seus interesses? Restringem-se a um bate-papo entre conhecidos ou têm algum nível de organização com fins políticos ou sociais?  

Diante dos desafios impostos por esse novo mundo digital, o julgador deverá aferir se houve, em cada caso, um legítimo direito de expressão e comunicação ou se, por outro lado, a informação foi veiculada com intuito de interferir ou desvirtuar a legitimidade e o equilíbrio do processo eleitoral. Para tanto, poderá basear-se em alguns elementos ou sintomas denunciadores de que a divulgação dos dados extrapolou a esfera particular, tais quais: i) uso institucional ou comercial da ferramenta digital; ii) propensão ao alastramento de informações; iii) interesses e número de participantes do grupo; iv)  finalidade e nível de organização e/ou institucionalização da ferramenta; v) características dos participantes e, principalmente, do criador ou responsável pelo grupo, pela mídia ou rede social, uma vez que, a depender do seu grau de liderança ou da sua atuação como formador de opinião, aumenta a potencialidade da informação para atingir um público diversificado em ambiente propício à manipulação dos interlocutores.

Não se trata, portanto, de restringir ou fulminar o debate democrático, tampouco de abalar os pilares da liberdade de comunicação e expressão, mas de conciliar tais postulados com os da legitimidade e normalidade do pleito, valores indissociáveis do processo eleitoral, mesmo porque já se decidiu por diversas vezes, neste Tribunal, que não há liberdades ou garantias absolutas (nesse sentido: REspe nº 100-70/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 7.10.2016; REspe nº 84-28/MA, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 18.3.2015; e AI nº 42-24/PR, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 14.10.2013).

 

Tarcisio Vieira de Carvalho Neto

Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília; Doutor e Mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo; Professor Adjunto da Universidade de Brasília. Ministro do Tribunal Superior Eleitoral. Subprocurador-Geral do Distrito Federal.