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Eleições em Cuba e novos movimentos de contestação

O processo eleitoral em Cuba é distinto em muitos aspectos. Os partidos políticos são proibidos em Cuba, porém há a realização de eleições periódicas, sob organização e administração da Comissão Nacional Eleitoral (CEN). O sistema eleitoral é baseado em um Estado socialista de partido único, no qual o Partido Comunista de Cuba (CPC) ocupa uma posição dominante.

Em geral, como uma tentativa de aproximar-se a uma democracia direta, o sistema eleitoral cubano coloca mais ênfase no envolvimento da comunidade e na seleção de candidatos, com base no mérito, ao invés de promover a abertura a grupos políticos e a realização de campanhas. Ou seja, promove-se a participação popular e compromisso com a justiça social, de um lado, ao passo que, por outro lado, vê-se limitada a competição política genuína.

Nos últimos anos, tem havido o surgimento de novos movimentos da sociedade civil organizada em Cuba, que se mostram descontentes com o regime atual e defendem mudanças. Esses movimentos têm se caracterizado por lutas em melhorias na economia, pelo fim das liberdades políticas limitadas e contra as violações aos direitos humanos.

Um desses movimentos é o de monitores cidadãos. Assim como em democracias, a monitoramento cidadão em contextos de restrições de direitos humanos, também exerce coerção sobre condutas que violam, o que está previsto na constituição do país. Assim, sob o receio de que possam vir a sofrer algum tipo de punição, devido a existência de falhas ou más práticas eleitorais, os entes responsáveis pela administração dos pleitos, tendem a prezar mais pelo correto andamento, daquilo que lhe corresponde como função. Isso porque, uma vez identificadas que existam irregularidades que afetam uma ou mais etapas do ciclo eleitoral, aumentam as chances de contestação de que aquele processo não foi feito conforme a legislação determina, instigando novos levantes contrários ao Estado.  

Em Cuba, grupos de cidadãos tem se organizado em coletivos que monitoram as eleições no país, como forma de contribuir para que os processos decisórios na Ilha, sejam cada vez mais transparentes, justos e inclusivos. Em outras palavras, pretendem através desse exercício de cidadania, gerar informações confiáveis à população em geral, do que fora observado em terreno, em comparação com é divulgado pelo órgão de administração eleitoral. E, mais especificamente, promover um ambiente de maior abertura às liberdades individuais, em que seja possível contrastar entre aquilo que é divulgado pelo oficialismo, com a percepção de quem vem acompanhando todas as etapas de organização, realização e contagem do sufrágio. 

Todavia, estes movimentos têm enfrentado desafios significativos, incluindo a repressão e o cerco do governo. Durante as eleições municipais, realizadas no último ano, o governo manteve sob vigilância em suas casas, membros desses movimentos, e o acesso à Internet foi restringido para limitar a comunicação e a organização dos coletivos. Destarte todo o aparato estatal utilizado para reprimir a atividade de monitoramento cidadão, as entidades envolvidas nessa tarefa, com o apoio de organizações regionais da América Latina e Caribe (ALC), puderam difundir o que realmente registraram no dia da eleição. Ou seja, a mais alta abstenção já registrada em processos de escolha no país, nos últimos anos, só ganhou repercussão após a divulgação dos relatórios emitidos pelos monitores, que foram replicados para um público mais amplo, por agências de notícias internacionais. 

Por fim, o surgimento desses novos movimentos sociais no país caribenho, sinaliza além de um crescente descontentamento com o regime atual, um desejo por mudanças mais profundas. Embora o governo tenha sido rápido em cercear suas ações, eles representam uma voz importante para as reformas que se mostram necessárias, e para alcançar um futuro mais próximo da almejada democracia direta.

 

*Paula Gomes Moreira é e doutora em Relações Internacionais (UnB) e coordenadora regional no Brasil da Conferência Americana de Organismos Eleitorais Subnacionais (Caoeste), da Transparencia Electoral (TransparenciaAL).